Caminhos Literários
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Castelo de Abrantes

A caminho do castelo e do panteão dos Almeida prove a “Palha de Abrantes”, doce conventual ligado à história do seu porto fluvial, acostado à margem sul do Tejo.

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[Onde, José Luís Peixoto]

O interior destas pedras era o mesmo, estava lá da mesma maneira que está aqui. Como se fixasse alguma coisa que não poderá ser esquecida nunca e que, com a passagem do tempo, se cristaliza ainda mais: um coração que bate muito lentamente. E estas muralhas, toda a fortaleza e a torre de menagem pertencem ao corpo desse coração no interior das pedras. Também nós somos parte desse corpo, também os nossos antepassados até ao D. Afonso Henriques.

Também o céu. Do alto da torre, podes ver tudo, podes distinguir o humano e natureza, o rio Tejo a avançar solene para o oceano, já a imaginá-lo, ele próprio a ser uma linha de oceano sobre esta terra. Lá de cima, podes ver toda a história, séculos e séculos em todas as direções. Como se estivesses no topo de uma palavra e, a partir dela, com os pés firmes nas suas consoantes e vogais, conseguisses ver todas as páginas do livro a que pertence.

Aqui, tomou-se a decisão de ir a combate em Aljubarrota. Aqui, tomaram-se decisões que não chegaram a verbete de enciclopédia. Estes caminhos foram atravessados por pessoas com os seus problemas, como eu e tu com os nossos. No seu tempo, esses problemas pareciam muito mais importantes do que simples pedras e, no entanto, todos já foram esquecidos mil vezes, mas as pedras ainda cá estão.

A fachada poente do castelo contrasta de forma invulgar com um parque radical que atrai a juventude. A fortaleza, alterados durantes séculos, é hoje encimada pelas ruínas do Palácio dos Governadores e pela Torre de Menagem, com um miradouro a 360º sobre um território em que confluem as últimas lezírias do Ribatejo com a planície alentejana e as serranias da Beira.

No interior existe ainda a Igreja de Santa Maria do Castelo, atual Panteão dos Almeida. São túmulos de uma riqueza escultórica rara, dignos de príncipes, incluindo o do primeiro conde de Abrantes, D. Lopo de Almeida. A intervenção museológica concluída em 2021 proporciona uma experiência interpretativa e estética memorável, para conhecer uma das mais influentes famílias portuguesas da época, que gerou um vice-rei, um vedor-mor da fazenda, um prior do Crato e um bispo de Coimbra.