Caminhos Literários
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Cais de Acostagem

Rio de Moinhos, terra de pescadores, barqueiros e construtores de barcos – onde também há tradição de bons enchidos e de fabrico das famosas tigeladas de Abrantes - foi um centro importante de comerciantes de madeira. Esta chegava em carros de bois até junto do Tejo, onde era carregada em barcos e jangadas e transportada até Lisboa.

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[Onde, José Luís Peixoto]

Podemos comparar este rio com este dia. Ambos são únicos, ambos avançam à sua própria velocidade. Enquanto aqui estamos, esta água é tempo líquido, passa por nós e deixa-nos mais velhos. A água que passou há pouco é agora uma memória. Ou, se não prestámos atenção à sua passagem, é apenas uma suspeita que confiamos ter acontecido. Havemos de beber este tempo. Havemos de lavar impurezas neste tempo. Havemos de navegar nele, navegamos já.

O barco que manobramos é o nosso olhar, a vida que nos trouxe até aqui. Esse caminho passou por muitas paisagens, atravessámo-lo num barco ou numa metáfora que, apesar das correntes, conseguiu sempre flutuar. Vemos aí a promessa do futuro, acreditamos nela da mesma maneira que queremos acreditar que, depois do ponto onde deixamos de o ver, o rio continuará até ao oceano. Podemos com- parar o oceano com o futuro.

Nesta margem, Rio de Moinhos é uma certeza. Na margem de lá, o Tramagal é um sonho. A água corre pelo leito do Tejo como o sangue corre pelas nossas veias. Estamos na margem de uma veia imensa,

o planeta inteiro é o corpo a que pertence. Habitamos

o planeta onde sopra esta brisa, onde se escutam os sons que nos rodeiam agora. Estamos no cais de acostagem onde, a cada instante, chega o tempo que nos levará.

Para o efeito construiu-se um bom cais, em 1903, eventualmente melhorando algum antecedente. Este tráfego apenas desapareceu em meados do século XX, sob concorrência do transporte rodoviário. Chegaram a existir três serrações em Rio de Moinhos, cada uma com os seus barcos e também organizando jangadas para o transporte rio abaixo.

O moderno cais construído recentemente é um espaço de memória e lazer, num lugar bucólico e aprazível, de onde se avista o Tramagal, na outra margem, mas sobretudo se aprecia a paisagem e frui a tranquilidade ribeirinha, eventualmente num nostálgico final de tarde.